do brasileirês e moçambicanês

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O que eu quiser? Que todos sejam felizes!

Ouço pela enésima vez a gravação e continuo rindo. Há piadinhas que nunca perdem o viço. Ainda mais em um sotaque gostoso. Acho que o João Paulo Borges Coelho conquistou aquela parte difícil que temos aqui dentro: a possibilidade de admirar alguém. Percorro o menu do celular vagabundo, são 6:30h da manhã e já estou na rua esperando a carona, uma certa alegria em ver tantas arquivos com gravações em moçambicanês, cheias de ruídos de estática e expressões que não percebo direito.

Claro que podia transcrever todas num livro bem sério. A la Michel Laban. A la Patrick Chabal. Só que tenho aquele desejo irresistível de não ser séria. De ser deliciosamente preguiçosa. E imagino (pra não dizer que tenho certeza) que não ser séria e deliciosamente preguiçosa é uma das poucas maneiras de escrever em brasileirês. Não trair a pátria. Dou risada. Pátria é uma palavra bem estranha. Aí o Pessoa diz que a minha pátria é a minha língua. Trair a língua? O Caetano vai mostrar a língua e cantar o que vc já sabe – se não erro, a letra é: “A língua é minha pátria. E eu não tenho pátria, tenho mátria. E quero frátria”. Nem sei se concordo. Esse jeitinho transgressor do Caetano.

O brasileirês não é minha pátria, aliás, Deus que me livre da hipótese. E, estranhamente-nada-estranhamente, uma descoberta: nada mais me soa tão brasileiro quanto o “porque a orthographia também é gente” do Pessoa. Parece meu pai falando! Difícil isso tudo, não? E tem lá uma certa beleza. Como se a língua do outro, que é a tua própria, fosse a língua que se fala durante o sonho, a língua que se fala no lugar onde é o mesmo, mas as ordens estão em outros lugares. Os mesmo, agora outros.

– Não percebi.

Demorei quatro dias para compreender que “não percebi” significa “ãh?”. Em brasileirês escrito o “não entendi”. Claro que sou tonta e ainda mais falado rápido o “não percebi” vira uma nuvem, uma gaivota rasante. E o Izidro deu risada do meu “advogar”: que facilidade vocês tem de inventar verbos! Em moçambicanês não sei como se diz “advogar”, desculpa leitor, embora seja a culpa toda tua por não escolher blogsde melhor qualidade. Aliás, vc mesmo pode ir pra Moçambique e descobrir como se fala “advogar” por lá. Não irei procurar no google, o google atrapalha toda a graça dos ignorantes. Se o dicionário é o pai dos burros, o google é o Primeiro Patriarca da Era da Grande Ignorância. Uso muito.

Percebo a textura dos passos nas calçadas de terra. Sabem a saudade. As sandálias infiltradas transformam-se em sementeiras. Rumos tranqüilos. Familiares. De piadas com viço. Minha terra são meus amigos.

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Estes post integram a coletânea Língua Comum, memórias sobre minha curta estadia em Maputo em agosto de 2010.

Imagem: wikipédia commons, autor Andrew Moir

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