Título: Acordados – fragmentos
Selo Demônio Negro, São Paulo, 2007
Romance, 192 páginas
ISBN 978-85-905632-2-8.
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Trecho da Apresentação disfarçada de prefácio
Por Alberto Guzik
Que ordem na desordem, irão perguntar. Basta folhear o livro e observar o índice. Quatro partes e cada uma delas composta por quatro capítulos. O livro obedece a uma forma geométrica de estrutura equilibrada: um quadrado dividido em 16 seções. Ana Rüsche ordenou cuidadosamente a estrutura para melhor poder jogar de pernas para o ar os vetores de sua narrativa. Não é casual o fato de ela colocar no início um episódio que tem seu lugar no meio da trama, um momento de intenso pathos. Nem tampouco o fato de a terceira parte da obra ser dedicada aos antecedentes de tudo que foi narrado até então. A construção do sentido de “Acordados” dá-se apenas na medida em que o livro é percorrido e descoberto. Seus personagens não estão mastigados. Têm de ser decifrados. E a autora não tem pressa. Impele o leitor. Faz com este atravesse as camadas necessárias até perceber, ao fim de tudo, aquilo que acaba de ser contado.
A voz da narradora não é discreta nem busca camuflar-se atrás da coisa narrada. Ao contrário. Temos aqui um caso de narrador onisciente, o filhote contemporâneo do aedo grego, só que não cego, nada cego. O narrador é onividente também, e escruta os motivos internos mais recônditos de cada personagem. Mas não expõe tudo. A escritora não esmiúça mais que o necessário. Mostra o que tem a mostrar. Na medida certa. E, ao fazê-lo, põe em evidência uma humanidade triste e desesperançada, que não tem consciência disso, que não sabe de si, que não tem noção de para onde vai. Mas vai. Movida por um instinto cego. Como as bactérias, objetos de experiência das placas de petri, citadas no livro em mais de uma passagem.
Muitos diálogos cimentaram este livro. Percebe-se em suas páginas que a autora trocou idéias com uma multidão de poetas e romancistas. A partir dos autores das duas epígrafes, o magnífico moçambicano Mia Couto, autor de histórias “abensonhadas”, e a portuguesa Lídia Jorge. Esta, uma das mais importantes figuras da lituratura portuguesa contemporânea, recriou, lembra Ana Rüsche, em “Costa dos Murmúrios”, um outro livro. Lídia Jorge deslocou para o interior da África o romance de Virginia Woolf, “Mrs. Dallaway”, livro que a autora de “Acordados” afirma “amar de paixão”. Ana também indica entre os escritores com quem dialogou ao longo da feitura de seu romance as figuras dos ficcionistas Lewis Carroll e James Joyce e Clarice Lispector, dos poetas T. S. Eliot, Angélica Freitas, Paulo Ferraz, Carlos Drummond de Andrade.
Mesmo com essa intensa interlocução – que ainda inclui as obras teatrais de Dea Loher “A Vida na Praça Roosevelt” e “Inocência”, em suas montagens da Cia. De Teatro Os Satyros, e as interpretações dos atores Ivam Cabral em “A Vida na Praça” e de Cléo de Páris em “Inocência” –, Ana Rüsche atinge nestes “Acordados” uma voz muito pessoal. Mistura tudo e, com sua poderosa poesia, transforma essas vozes varias em outra coisa. Em uma dicção distinta e indiscutivelmente própria. A narrativa é arbitrária. Ora dá-se na terceira pessoa, a do narrador, ora na primeira pessoa, a do personagem. Sem que haja aviso prévio ou uma organização lógica para essas escolhas, passa-se de um modo para outro com efeito sempre surpreendente. A autora em certos momentos assume a palavra: “E aqui, novamente, embalamos nossa narrativa. Por uma barra de saia florida”. (…)
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Artigos, notas e resenhas
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Elas não dormem. Mônica Bergamo, Ilustrada, Folha de S. Paulo, 21 de janeiro de 2008.
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Acordados: o caleidoscópio de vidas da metrópole. Marina Della Valle, Le Monde Diplomatique, 7 de março de 2008. [leia aqui]
“Há algo de psicotrópico em Acordados, primeiro romance da poeta paulistana Ana Rüsche. A sensação de miragem começa antes mesmo da leitura, quando, buscando pelo título, o leitor passa da imobilidade do corpo nu retratado na primeira capa, que lhe dá as costas enquanto contempla as luzes noturnas de uma metrópole, para o movimento desafiador na quarta capa, que revela o resto do corpo e facetas de um mesmo rosto num balanço perigoso”.
Lançamento de “Acordados”, Lívia Deodato, Agência Estado, Folha da Região, janeiro de 2008
“Com o patrocínio do PAC (Programa de Ação Cultural) (PAC) e uma bela edição, quase artesanal, realizada pelo Selo Demônio Negro, cuja tiragem inicial foi de 2 mil exemplares, Ana conseguiu colocar em prática o que antes parecia ser uma idéia até bastante utópica. “Sai muito caro publicar um livro e comercializá-lo no Brasil, vivemos numa crise. Em qualquer país da América Latina dá para comprar um bom livro por R$ 10, o que não acontece por aqui. ‘Acordados’, que teve uma edição de qualidade, ainda que muito econômica, custou R$ 10 mil”, diz. A autora, formada em Direito na USP, reitera a importância do próprio autor pensar na distribuição de sua obra”.
Contrabando afetivo. Simone Magno, Rádio CBN, 15 de janeiro de 2008 [leia aqui]
“A escritora paulista Ana Rüsche está lançando Acordados (Demônio Negro) com distribuição por contrabando afetivo, uma forma que ela encontrou para fazer o livro chegar a pessoas que dificilmente teriam acesso a literatura contemporânea. Confira como funciona no boletim Tempo de Letras que vai ao ar esta noite na CBN. Seguem trechos do livro, uma trama urbana inspirada em personagens estereotipados de São Paulo”.
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Distribua você também em 2008. Elisa Andrade Buzzo, Digestivo Cultural, 11 de fevereiro de 2008 [leia aqui]
“O novo livro de Ana Rüsche, Acordados (Demônio Negro, 2007, 187 págs.), além de ser vendido em duas livrarias, circulou através de uma “distribuição por contrabando”. Deu o que falar na imprensa paulistana a estratégia de distribuição da obra incentivada pelo PAC (Programa da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo). A publicação, com tiragem de dois mil exemplares, permitiu à Ana escolher 60 colaboradores ― cada um recebendo dez livros, que foram entregues a longínquos leitores gratuitamente”.
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