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Chinatown, via Wikipedia, foto: Derek Jensen.

Em minha vida, há duas experiências mágicas que envolvem linguagem. A primeira é quando fui alfabetizada. O dia em que a professora apontava freneticamente as letras “B” e “A”, “B” e “A”, “B” e “A”, até as crianças em coro lerem finalmente… ! Uau! Mágica feita, explosão de fumaça. Bateu. Daí em diante, lia tudo em voz alta. Outdoor. Latas de Neston. Deu um estalo por dentro.

A segunda tem a ver com mandarim. Por muitos anos, frequentei a casa de minha amiga Juliana. De família chinesa residente no Brasil, em casa de Juliana somente se falava chinês. Que hoje mais acertadamente chamamos de mandarim. Aquela algazarra alegre de sons que sempre desconhecia. A Juliana falava ainda inglês com perfeição e alemão. Faz tempo que não a vejo, mas imagino que deva falar muitas outras hoje. Sempre com um sorriso lindo e doce. A Ju foi uma das melhores companhias na adolescência.

Além da Ju, um outro grande amigo meu da infância foi o Hsieh (a gente pronunciava “chê”). Também de família chinesa, mas falava português em casa. Conhecendo essas duas melhores criaturas do mundo, acabei por nutrir um grande carinho por tudo é que aquela terra de dragões nos apresentou. O kung fu fiz por anos. E estudei mandarim.

Sim, estudei um ano de mandarim na FFLCH com o Prof. David. Que também era maravilhoso. Um amor de professor, paciente e com piadas sagazes no estilo “pronto, agora vcs podem perguntar tudo sobre Mao-Tsé-Tung que sempre tiveram vergonha de perguntar”. Não aprendi muito. Aprendi que uma língua tonal é bastante diferente, que vc pode facilmente dizer “cavalo” em lugar de “mamãe”. E que caligrafia não é pra mim. Nem pro chinês simplificado.

O episódio mágico que envolve língua é o seguinte. Depois de muitas aulas de mandarim, confundindo inutilmente “mamãe” com “cavalo”, um dia fui pra casa da Juliana. As amigas da mãe dela estava todas lá, se encontrando para um karaokê. Aquela algaravia de sons que não entendo nada. Daí, subitamente, um filtro mágico se instala na minha cabeça. Consigo entender perfeitamente quando uma vira para outra e pergunta: “como vc vai?” e a outra responde “eu vou bem”. Quase começo a chorar. Era como se tivessem me dado uma lente dos sentidos do mundo. Conto pra Ju, pra mãe da Ju e rimos muito. Batemos palma de alegria.

Assim, hoje fui para Chinatown. Treinar minhas quatro frases de mandarim em que a pronúncia é boa. Em São Paulo mesmo, em que é possível fazer isso também, tenho vergonha. Aqui não. Uma delas é a “você é bonitx”. Adoro e uso sempre. A pessoa do outro lado ri. Fiz isso hoje com a vendedora da loja do templo budista. Ela era linda mesmo. É muito bom se sentir como um peixe feliz nadando em águas claras. Agradeço. Xie xie.

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