Sarabanda

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Título: Sarabanda

Editora Patuá, São Paulo, 2013, 2a edição

Poesia, 100 páginas

ISBN 978-85-64308-81-7

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A 1a edição foi publicada pelo Selo Demônio Negro, São Paulo, 2007.

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Prefácio, 2a edição

Por Andréa Catrópa e Lilian Aquino

 

Querida Lilian,

quando a Ana nos pediu que fizéssemos este prefácio a quatro mãos (ou duas, que não estamos tocando piano), pensei que a forma mais amorosa de realizarmos essa tarefa seria, momentaneamente, buscando afastar o afeto que sentimos por ela.

A crítica, por certo, jamais está acima do bem e do mal, mas imersa nas próprias contingências, paira. Não angelical; antes, como ave de rapina que, discreta, sobrevoa o campo até que algo lhe aguce a vista. Daí a atitude muda. E todo o seu rumo é o mergulho, a captura, a deglutição. Parasita do objeto, a crítica sobrevive dele. Como se fosse um corpo que bica, desfigura, descarna. Para transformá-lo em algo diverso: o combustível de seu novo vôo.

Assim, me dedico agora a esse exercício de rapinagem, para você retomá-lo como bem entender. Diluindo-o na sua própria escrita, fotografando meu vôo como o vê de seu ponto de observação, desconstruindo-o a partir de suas discordâncias.

Proponho, então, algumas estratégias de leitura para Sarabanda, arriscando-me a dar as bicadas iniciais no conjunto de poemas. Vamos lá. Nesses primeiros rasantes, tento identificar o corpo poético a partir de certas características básicas. São elas:

A ANTENA FRENÉTICA – Nela não cabe a morosidade da digestão, verso a verso,  ou as três partes da dissertação argumentativa de um assunto. Nada existe ali para convencer o leitor racionalmente da urgência ou da seriedade de um tema. Encontramos, sim, a agudeza do deslizamento sensorial. Não documento, mas universo em constante deformação poética. E no jogo entre precisão e exagero, fidelidade e engano é que se constrói esta voz.

A SALA DE BATE-PAPO – Ecos tão distantes da “praça de convites” de Drummond, num momento em que praça se constrói no próprio texto. Assim se forma uma comunidade de poetas, referências que só convivem no livro. Antes, na primeira edição, estavam lá como epígrafes dos poemas. Agora, em uma escolha mais sóbria, foram suprimidas e atingem o leitor pela mediação dos versos de Ana Rüsche. Quem fala quando fala ali? A voz poética do conjunto é sempre a mesma, ou a cada poema nos ataca uma alteridade?

A PIRIGUETE SIMBÓLICA – Uma sensualidade crua, como bem observa Paulo Ferraz em seu delicioso posfácio, que tem duas faces: a mulher fácil, a mulher difícil. A armadilha poética que, dialética, ora vitima a autora, ora o leitor. Clichês da mulher contemporânea, da mulher autossuficiente, da mulher carente, da mulher caliente batidos no liquidificador. E o resultado nunca é homogêneo, ralo, mas uma mistura indigesta, chamando a atenção para um erotismo até hoje meio sem lugar na poesia brasileira.

AS IMAGENS OBSEDANTES – Um pouco de malandragem minha, um pouco de (enfim!) resultado de anos de trabalho terapêutico (para evitar a mania de centralizar decisões), proponho para a fina poeta Lilian Aquino que continue daqui este prefácio. Sugestão para o prato do dia? Cadavre exquis à paulista. O que podemos, hein, Lilian, depreender das imagens que rondam os versos da Ana? Fantasmas do texto girando, sobretudo, em torno dos campos semânticos frio/gelo (e suas variantes); ambientes de consumo (virtuais ou presenciais); buraco negro /buraco branco e corpos (ou partes de) excitados.

Essas “presenças” também lhe atraem nos poemas, causando estranhamento? Parecem frequentes demais para serem acaso e, portanto, merecem um olhar (nossos quatro olhos perscrutadores) mais detido, talvez até algumas palavrinhas para os leitores da Ana? É possível, também, que nada disso tenha lhe parecido relevante e seu desejo seja partir por outras pistas e sendas. Por isso, minha curiosidade cresce e se transforma em uma ansiedade quase infantil. Preciso parar de escrever para descobrir isto: o que você vai fazer a partir daqui, Lilian?

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Andréa, querida, pego aqui o fio que você começou a transar e já me sinto instigada e confortável ao mesmo tempo com essa tessitura em minhas mãos. Porque relendo Sarabanda para escrever com você este texto para esta aguardadíssima segunda edição, revivo o mesmo sentimento de antes, o mesmo sentimento que o seu: que força provocadora é essa que ronda a poesia de Ana? Tal qual a dança – a lenta e lascívia sarabanda –, o ritmo e os versos me provocam, me sugam para o “buraco-negro”, para esse referido universo quente-e-frio (“pela pia de mármore duro/ ela derrama borra de café”).

Aí me vejo embrenhada naquele outro tipo de imagens obsedantes que também te capturaram, Andréa, em teias de múltiplos fios e sobretudo compostas por uma elevada acidez: buracos/corpo. E incrível e belo que desses orifícios podem sair sonhos ou cacos, “lá dentro chafurdo com minhas duas / mãos nas peças de cerâmica”. Na dualidade de um erotismo que seduz e também pode cortar quem chega perto: “tenho uma navalha no meio das pernas. / quer ver?”.  Sim, vejo aqui a piriguete simbólica nas meninas que nunca foram donzelas ou nas flores que nunca ganharam.

E por fim, tem como não se deliciar como o amor e seus discursos? Mesmo na sua agudeza, mesmo nas suas sutilezas.

 

Meu amor me presenteia com flores esquecidas

na rua

Meu amor tem pesadelos pra que eu durma

quentinha

Meu amor é um urso com a pelúcia por dentro

 

Há essa melancolia que embala e deixa a respiração mais mansa, prum término de leitura em que aquele que dançou todos os passos já não tenta resistir à provocação. Já pode escutar o sussurrar das imagens persistentes ressoando por dentro. Já que é “difícil não ter ilusões num dia partido”.

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Prefácio, 1a edição

Por Paulo Ferraz

“Aninha, meu bem, antes de mais nada, hoje pela manhã acordei com seus poemas na cabeça. As principais imagens insistiram em me acordar. Falo delas depois. Agora, queria só fazer um comentário, quase infantil, que tem a ver com o título: Sarabanda, salvo você, o Houaiss, o Aurélio e o Bergman ninguém mais deve conhecer o termo. Enfim, à medida que eu revia as imagens, uma musiquinha não me saía da mente, como uma trilha sonora: Samba, crioula, que veio da Bahia, pega a criança e joga na bacia, a bacia é de ouro areada com sabão e depois de areada enxugada com roupão, o roupão é de seda camisinha de filó, sapatinho bordadinho para quem virar vovó. Sei que você deve estar pensando, “o Paulo não bate bem da bola”. Bato sim, e explico: primeiro, o nome do seu livro, a despeito de ser uma dança renascentista, tem a palavra samba nele escondida, camuflada, fingindo ser o que não é. Mais um detalhe, o Houaiss diz que a sarabanda tinha um andamento “vivo e de caráter lascivo”. Ora, nada mais samba que isso: vivo e lascivo. Sua poesia é assim, viva e lasciva. Sua poesia dá samba (só quem já te viu dançar sabe que não é uma aproximação absurda essa, por sinal, acabo de me lembrar outra musiquinha: Samba Lelê tá doente, tá com a cabeça quebrada, samba Lelê precisava é de uma boa lambada. Infantil? Sim, sim, façamos de conta que sim).

Outro dia, falava com um amigo que certa poesia feita hoje em dia está bonita demais, mas de uma boniteza que enjoa, como se estivéssemos diante de um tanto de ovos de Fabergé. Claro que são bonitas, quem sou eu pra dizer o contrário? Mas falta-lhes um pouco de imperfeição, um pouco de acaso, um pouco de acidente. Sua poesia pode ser tachada de qualquer coisa, menos de ser artesanato (“meninas” fazem bordado, tricô, patchworking com palavras…). Não estou fazendo nenhum elogio ao confessional, ao espontâneo, à preguiça, de modo algum, apenas acredito que somos imperfeitos demais para buscar tanto equilíbrio e tanta harmonia; mestiços demais para procurar tanta pureza; contraditórios demais para procurar tanta certeza; provisórios demais para buscar tanta permanência. Para mim, a sua poesia opera num registro bastante complexo que, sem abrir mão do que pode parecer ingênuo ou inacabado, transpira, sangra, macera, mastiga, cospe e se bate na busca do que chamamos beleza, jamais a beleza fácil da perícia ou da erudição (e olha que tem gente que jura de pés juntos que essa é a beleza difícil), talvez por isso esse subtítulo: um caderno de estudos, como fez Oswald (Primeiro caderno de poesia do aluno Oswald de Andrade), Cacaso (Grupo escolar) e a Hilda (O caderno rosa de Lori Lamby). Caderno, estudos, escola, tudo isso nos remete a um momento que ousaria chamar de tempo de inocência, de constituição do que somos, quando havia mais dúvidas que certezas. Prefiro as dúvidas. Entre seus poemas, um me parece quase arquetípico (até porque nos inocula a dúvida), como se dele se desprendessem todos os demais: “inacabado sobre brennand”, mas especificamente o último dístico: as meninas de Francisco/ nunca foram donzelas. Eu posso estar errado (um dos méritos do seu livro, é jogar o tempo todo com o leitor, fazendo com que ele acredite em você, fazendo com que ele suponha ter o controle da situação. É um convite a equívocos, dado a imprecisão do discurso, de um subjetivismo vacilante que titubeia, ora em primeira pessoa, ora em terceira, mas no fundo uma só que se vê de fora, que vê as suas máscaras – nada dessa objetividade, dessa discrição e sobriedade dos meninos que fazem MBA e escrevem manuais do bem-viver, ah, a doce e inebriante alegria do sucesso e das realizações que os fazem ser competentes. Não me surpreenderia se tudo o que eu te disser voltar-se contra mim, e for um grande equivoco, seja como for, será o meu equívoco, literatura não é exata; a crítica, muito menos), mas elas estão presente aqui e ali, ora no topo da bicicleta ergométrica, ora suja a brincar nos sargaços, ou aparecem nos detalhes (ah, o diabo está!) das coxas de banho tomado e da calcinha frouxa de algodão/ com elástico vencido. E mesmo quando não aparecem textualmente deixam rastos de sua passagem nas vitrines de todos os dias, pois desestabilizam nossa confortável apatia, tome-se aquela mãe de “Revenant”, o irmão pedindo ao menino Jesus que lhe tire uma costela, o Unabomber, herói de sua infância, a menina com um buraco-negro a tira-colo que deve estar lá fora agora (entre nos dois há a Paulista, se você a viu aqui, eu já devo ter topado com ela também). O mundo é meio podre mesmo”. (…)

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Artigos e matérias

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Um livro de Paulo Franchetti & um de Ana Rüsche. Dirceu Villa, Germina Revista de Literatura e Arte, setembro de 2007 [leia aqui]

“Ana Rüsche lançou, em edição artesanal & limitadíssima do selo Demônio Negro (o editor responsável pelo capricho é Vanderley Mendonça), o seu Sarabanda, livro de poemas. O único senão é que sejam menos de cem exemplares. Ana Rüsche estreou em edição em 2005, com o ótimo Rasgada, de que falei na Officina Perniciosa, livro que já permitia perceber que viriam mais coisas boas pela frente. Sarabanda, de 2007, é a resposta a essa expectativa. Seu estilo é tão decidido & tão seguro de si que não há pontas soltas. Da pornografia à política, do humor cortante à rápida & definida nota psicológica, o livro (breve, 60 páginas) é movido pelo signo da inteligência crítica, que lhe dá impressão de dureza: não a dureza de construção medida & armada como a de João Cabral, mas a dureza aguda de tiro certeiro”.

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Programa Ondas Literárias n. 17, Núcleo de Criação, entrevista, junho de 2008 [ouça aqui]

 

Andréa Catrópa comenta o livro na Casa das Rosas Vídeo, 20 de julho de 2013 [assista aqui]

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